Cornucópia repleta de fertilidade, abundância e riqueza de mitos e tradições é a que traz consigo a deusa romana Fortuna, como a mesma Tique grega[1]. Ao seu lado, a roda de leme transformada naquela do destino no século VI d. C. pelo escolástico Boécio na sua De Consolatio Philosophiae[2]. Filosofia consoladora que levaria depois os nautas de Cristo ao porto seguro feito santo por intervenção divina, salvadora da aflição humana no humor revolto do Mar das Hespérides, Atlântidas ou Atlante-ilhas, corria o século XV.
O Arquipélago da Madeira e Porto Santo é ele mesmo a cornucópia da Fortuna repleta dos mais felizes mitos consumados em tradições que se perdem na noite dos tempos. As mesmas encomiam os ilhéus como privilegiados de verdadeira Ilha de Utopia bafejada pelo empíreo dos deuses sobre o vasto oceano por eles beijado sob a forma de estrelas, as quais brilham em homens e mulheres de raridade superior mental e coracional que aqui têm aportado e deixado o testemunho no património das suas obras primorosas, umas discretas, outras exuberantes.
É na literatura clássica greco-latina que se encontram as mais antigas referências à Ilha da Madeira, observando-se nas cosmografia e geografia dos clássicos a presença do senso sagrado onde o mytus se transforma em mystèrion ou mistério, e assim mesmo se apresenta sob dupla leitura, aparente e velada (“letra” e “espírito”, exotérica e esotérica), nos textos clássicos chegados até hoje ornando a Madeira como a verdadeira Ilha da Ventura, a Ilha Afortunada extremo-mar da Europa portuguesa e que em Y irradia para o Norte e o Sul do quinto continente, a América, quiçá para El Moro no Novo México, EUA, e São Lourenço no Sul de Minas Gerais, Brasil, assim unindo o português ao ameríndio.
Na Madeira sente-se ou tão-só pressente-se ser ela (ao par dos Açores, Canárias e Cabo Verde, possessões portuguesas de que a guanche canária só praticamente no final do século XV a perderíamos definitivamente para Castela) a herdeira sobrevivente desse afogado continente que dá pelo nome de Mu, Kusha ou tão-só Atlântida, donde Atlântico, existido nas Eras Geológicas Secundária, Terciária e começo da Quaternária do Mundo[3]. Seria seu sobrevivente humano aquele “povo vermelho” que dá pelo nome de fenícios, os inventores da escrita com que se passou da Proto à História, considerado povo navegador mercajedor e civilizador, progenitor dos cartagineses que depois, ao par dos romanos, em poderosas embarcações sulcariam a costa mediterrânea e o seu mar indo além das Colunas de Hércules, ora descendo a costa africana, ora subindo a costa hispânica e até se arrojando em empresas de mar de longo chegando a aportar aqui na Madeira. É Plínio, o Velho, naturalista e cronista romano do I Século d. C., quem o diz na sua Naturalis Historiae, chamando à Madeira de Insulae Purpurariae, a “Ilha da Púrpura”, adiantando que o apelido provinha da “fabricação do corante púrpura que fora estabelecida na ilha pelo rei Juba II da Mauritânia”[4], portanto, de descendência cartaginesa e vassalo de Roma no século I.
O facto é que a cor púrpura foi inventada pelos fenícios cujo segredo de fabricação foi dos mais guardados na Antiguidade, que como cor do planeta Júpiter, Jove, Zeus, Zyaus ou Deus, era este associado à mais elevada realeza e pontifical, pelo que só as classes elevadas dominantes na política e na religião a podiam exibir. Só quando os imperadores e cônsules romanos passaram a ostentar essa cor nos trajes da sua condição superior, é que veio a saber-se que a mesma se obtinha do molusco múrex – a murex brandaris ou a “púrpura tíria” – cuja exclusividade e comércio foi fenícia durante gerações[5]. Mesmo assim, depois dos romanos o terem obtido, foi resguardado o segredo da fábrica da púrpura por quase dois milénios. Vai nesse sentido, sobre este assunto, a descrição dada no Century Dictionary, de 1899, considerado dos melhores dicionários norte-americanos[6]. Diz a tradição que só no século XVIII o conhecimento da mesma se generalizou a partir de França, quando a arte de tinturaria foi tornada pública pelo “Superior Incógnito” chamado Conde de Saint-Germain, este que, pela Missão Secreta de que estava incumbido na Europa, ocultou-se em vários títulos com que se apresentou às cortes europeias: Marquês de Montferrat, Marquês de Aymar, Conde de Welldone, etc.[7]
Ao par de Insulae Purpurariae, Plínio, o Velho, chamou à Ilha da Madeira de Junonia, por motivo do grande número de pombas (Columba Junoniae) que foram vistas a voar nas suas encostas, as quais certamente seriam as alvas “pombas do mar”, as gaivotas. Tais espécies de pombas foram dedicadas à deusa romana Giunone, ou seja, Juno, contraparte de Jove ou Júpiter, sendo Pronuba como protectora dos casamentos e nela, deusa, se realçando a dignidade espiritual e humana da Mulher. Pronuba pode hoje encontrar-se representada na padroeira da ilha, Nossa Senhora do Monte, afim ao tema hagiográfico da Assunção da Virgem, tal qual Juno está ascendida junto a Júpiter.
Igualmente Estrabão, na sua Geografia, volume II, baseado na Corografia de Pompónio Mela, volume III, e na De illustris Viris, de Cornélio Nepos (aliás, citado por Plínio na sua História Natural), descreve a história de Eudóxio, grego de Cizico na Ásia Menor, que se teria mudado para o Egipto e daí para a Índia por via marítima. Ao transpor as Colunas de Hércules, onde hoje está Gibraltar, as correntes arrastaram o navio até uma ilha que se supõe ser a Madeira. Também na sua obra, Biblioteca Histórica, Diodoro Sículo ou da Sicília narra que alguns marinheiros fenício-cartagineses de Gades, ao navegarem pela costa africana, foram arrastados na direcção oposta durante alguns dias até aportarem numa grande ilha, que se supõe ser Porto Santo. Por alguma via que o historiador não diz, os etruscos, cujo poderio naval não tinha rival, vieram a saber dessa descoberta e quiseram apropriar-se dela, talvez em data próxima de 474 a. C., mas esse propósito nunca veio a ser concretizado.
Finalmente, na Biografia de Sertório, escrita por Plutarco, lê-se que marinheiros de Gades ofereceram-se para levar Sertório a determinado ponto do Oceano Atlântico, onde existiam duas ilhas muito férteis e de clima muito suave. Plutarco chama-lhes “Ilhas Afortunadas”[8].
Essas são algumas das inúmeras informações disponibilizadas pelos autores clássicos da Antiguidade greco-latina acerca do seu conhecimento do arquipélago da Madeira, certamente também do conhecimento de frei Gaspar Frutuoso (1522-1591), sacerdote e historiador açoriano considerado a maior sumidade insular que deixou preciosa obra em seis tomos, escritos entre 1586 e 1590, sobre os arquipélagos das Canárias, Açores e Madeira, este quem dedicou o segundo volume[9].
Por fim, resta enquadrar o sentido de insula occultam – ilha escondida, proibida ou vedada – na ideia mágica e religiosa dos sábios antigos, no tema sendo a mais notável a insula brandonis ou Ilha de São Brandão, que Thomas More no fim do primeiro quartel do século XVI disporia como a Ilha da Utopia, habitada por homens sábios e santos, ela mesma na rota atlântica da Ilha da Madeira, a Medera apontada por Rosemarie Erika Horch[10], cuja “floresta mágica” (madre selva) poderá muito bem ser a de Laurissilva, húmida subtropical ocupando área com cerca de 15.000 hectares.
Isso mesmo está registado numa gravura em madeira do século XV, onde ao lado das Canárias aparece a Ilha Afortunada, a mesma “Pérola do Atlântico”, tendo mais acima uma baleia em cujo dorso é consumado o sacrifício da santa missa, e por cima domina a Ilha de São Brandão. Entra-se assim no plano dos símbolos sagrados por que se expressa o verbum mutis – a língua muda – revelador da transcendência espiritual da Iniciação.
O simbolismo da baleia liga-se simultaneamente ao da entrada na caverna e ao do peixe. No mito bíblico de Jonas, a baleia representa a arca, a barca, o Paraíso Terreal assinalado no Oriente – e também no Ocidente – como Agharta ou Asgardi. A entrada de Jonas na caverna iniciática, isto é, ser engolido pela baleia, assinala a entrada no período de obscuridade ou pralaya, intermediário entre dois estados ou modalidades de existência (manvantara). Jonas no ventre da baleia é a morte iniciática, e a sua saída expressa o renascimento após a prova da caverna de iniciação (crypta ferrata). A saída de Jonas, ser vomitado pelo mamífero marinho, é a ressurreição, o novo nascimento, tal como demonstra, de modo particularmente explícito, a tradição islâmica[11]. Com efeito, nun (ن), a vigésima nona letra do alfabeto árabe, significa “peixe” e, especialmente, “baleia”, que por transposição semântica transcreve-se al-hût. Essa é a razão pela qual o profeta Jonas, Sayyidnâ Yûnus, é chamado de Dhûnl-nûn. Na Kaballah judaica, a ideia do novo nascimento, no sentido espiritual, está ligada a essa letra nun. O novo nascimento iniciático inscreve-se no tema messiânico assinalado no Evangelho de Mateus (12:39-40), onde Cristo dá como único e verdadeiro dessa identidade o “Sinal de Jonas”, o que vem a inscrever-se no tema sebástico-parúsico madeirense do imobiliário legendário sebastianista, tão caro a Porto da Cruz. É o Sinal do Messias, do Avatara, daquele que vem de Cordo Maris ou do “Coração do Mar”, falado por Lusitanus nos seus Sinais dos Tempos[12].
Por fim, sendo símbolo de continente secreto ou perdido, como o da Atlântida de que as ilhas e ilhéus do Atlântico podem ser os resquícios geológicos sobreviventes do terrível Dilúvio que a afundou, como afirma a Tradição, a baleia é também simbólica do tesouro escondido e, às vezes, igualmente da desgraça ameaçadora, pois ela contém sempre em si a polivalência do desconhecido e do interior invisível ou ocultado; é o centro de todos os opostos que podem vir a ser. Por este motivo, também já se comparou a sua massa ovóide à conjunção de dois arcos de círculo simbólicos do mundo do alto e do mundo de baixo – o Céu e a Terra – que o ritual da missa une no momento litúrgico da hora sagrada.
Na sequência, a ilha, a que se chega depois de uma navegação ou de um vôo apoiado pelas invisíveis mas vigorosas mãos de anjos, é o símbolo por excelência de um centro espiritual, mais precisamente, do Centro Espiritual Supremo ou Primordial. A ilha é assim um mundo em miniatura, uma imagem do cosmos completa e perfeita, porque apresenta um valor sacral concentrado. Sob este aspecto, a sua noção neosética aproxima-se daquelas noções de templo e de santuário. Simbolicamente, a ilha é um lugar de eleição, de silêncio e de paz, em meio à ignorância e à agitação do mar revolto do mundo profano. Representando o Centro Primordial, a sua cor fundamental de pureza é sempre a branca[13].
Foi assim que na Idade Média as ilhas perdidas e achadas (“trobadas”)[14] tornaram-se um dos mitos fundamentais do Paraíso Terrestre afim à ideia da Idade de Ouro, herança mitogénica do Orfismo e do Neopitagorismo. Hesíodo descreve-as em Os Trabalhos e os Dias, dizendo: “É lá que moram, com o coração livre de cuidados, nas Ilhas dos Bem-Aventurados, à borda dos turbilhões profundos do oceano, heróis afortunados para os quais o solo fecundo produz, três vezes por ano, delicadas e florescentes colheitas”[15].
A Escola Náutica de Sagres[16], liderada pelo Infante D. Henrique de Borgonha (Porto, 4.3.1394 – Raposeira de Vila do Bispo, Sagres, 13.11.1460), filho de D. João I de Portugal, estando num país cuja maior parte é mar, cedo arrojou-se na vastidão do mesmo, desbravou-o e dele tomou posse[17]. Este Infante Henrique de Sagres – letrado nos clássicos da Antiguidade, herdeiro da cartografia marítima da Ordem do Templo de que a Ordem de Cristo, de quem era o 8.º Mestre e Administrador Geral, por sua vez era herdeira universal directa – sabia de antemão haver terra firme a Ocidente, e nessa direcção mandou navegar os capitães e pilotos da nova cruzada marítima, e após que seguissem a rota sudoeste, motivo da estranheza geral dos espiões ao serviço de Castela e de Génova infiltrados na corte portuguesa[18].
A espionagem e a contrainformação, notícias falsas que repetidas à exaustão acabaram tornando-se verdades oficiais de Estado moldando a opinião pública, poderão explicar o controverso explorador e mercador genovês Lancelotto Malocello (Varazze, 1270 – Génova, 1336), que em navio luso descobriu as Canárias em 1312 sob o comando de Manuel Pessanha, o qual em 1317 assumiu o almirantado português. Em 1336, o genovês descobriria ainda a Ilha da Madeira, isso apesar de estar acamado em Génova em cuja data faleceu. Atesta essa descoberta efabulada o famoso Atlante Mediceo ou Atlas dos Medici, datado de 1351 mas que a historiografia acusa ter sido composto em data bastante posterior, talvez furtado das mesas de trabalho dos cartógrafos portugueses da Escola de Sagres, por os lugares assinalados no mesmo – como o Cabo Bojador – serem do exclusivo e exacto conhecimento marítimo português.
Vai na mesma direcção a estória de Robert Jacob Machin ou Robert Machim que vindo incidentalmente das ilhas britânicas teria descoberto a Ilha da Madeira muito antes dos portugueses, ou seja, em 1344. E na enseada onde aportou teria batizado de Machico, inspirado no seu nome Machim. A estória ganhou raízes e ficou até hoje, sobretudo para favorecer os interesses britânicos na ilha. Conta-se assim: um cavaleiro escocês da corte de Eduardo III de Inglaterra, Robert Machim, apaixonara-se por uma jovem nobre inglesa de nome Ana de Arfet, e como os pais de ambos não concordavam com o casamento deles casaram em segredo. Descoberto o acto, fugiram de Bristol para o sul de França, com o conluio dum amigo chamado Jorge. Ao atravessarem o Canal da Mancha, a embarcação que os levava foi arrastada por correntes fortes para o mar alto: o barco desceu em direcção ao Golfo de Biscaia, continuou à deriva passando o Mar dos Mortos na costa da Galiza, passou ao largo do Norte de Portugal, e sem se desviar para os Açores acabou acostando na Ilha da Madeira, depois de alguns anos à deriva no oceano. Assim se descobriu a Madeira. Desembarcados os pobres transviados da sua rota original, acolheram-se dentro do tronco oco de uma árvore que de tão grande era cabiam no espaço cinco a seis pessoas. Entretanto, Ana de Arfet adoeceu de febres e acabou falecendo. O desgostoso marido sepultou-a e marcou o lugar com uma cruz, depois descoberta pelos portugueses que sobre a sepultura construiriam a capela do Senhor dos Milagres (século XV, das mais antigas da rede paroquial da ilha). Robert de Machim, vendo-se nessa desgraça e só, decidiu construir uma tosca jangada e fez-se de novo ao mar, indo parar nas costas da Mauritânia onde os mouros o faz escravo. Seria depois resgatado pelas tropas do rei de Castela que o levaram para a corte deste onde, com toda a gala, foi recebido o infeliz nobre escocês, outros dizem que também era inglês. Tudo isso passa-se durante o período da Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França, onde as relações entre os dois países estavam cortadas. Tudo isso revela igualmente que mais-valia terá ser escocês, inglês, francês, espanhol e até mauritano, travestido de “Robinson Crusoé”, do que “corso” português. Enfim, invejas e cobiças.
Essa estória “trágico-marítima”, com alguma comicidade histórica nas diferentes versões tornando-as contraditórias entre si, recua a 1507, a Francisco Alcoforado, cavaleiro da Ordem de Cristo ao serviço da Casa do Infante D. Henrique, entretanto falecido, e a terá bebido da edição que fez dela o impressor Valentim Fernandes de Morávia, dito o “Alemão”, apesar de ser português mas tendo vivido nessa cidade germânica, estabelecido em Lisboa em 1490, que terá ouvido a estória de um tal Morales de Sevilha, pressuposto companheiro de prisão de Machim entre os mouros, que os portugueses do Infante D. Henrique capturaram quando ele foi resgatado e se dirigia para Castela, tomando assim conhecimento da existência da Ilha da Madeira indo logo apressurá-la[19]. “Literatura-de-cordel”, novelística ficcionada… Foi a partir da edição de Fernandes de Morávia que o italiano Giulio Landi (1498-1579) escreveu e publicou em Piacenza, em 1574, La Discrittione de Isola de la Madera, onde narra a estória de Robert Machim mas dando-o como francês com o nome italiano Il Macino. Foi a partir deste autor que se universalizou a lenda de Robert Machim, sobretudo entre os britânicos.
Observa-se na escritura de Giulio Landi características semelhantes às daquelas linhas seguidas por Erasmo de Roterdão e Thomas More, portanto, dispondo a narrativa no plano simbólico-hermético remetendo-a para o tema da “Ilha da Utopia” – insula occultam – a que se chega pela navegação hermética ou de Espírito Santo, onde o nauta entrega-se plenamente nos braços da Providência que fará Anjos invisíveis tomarem o timão da barca fazendo-a chegar finalmente a porto seguro (foi assim com Santiago Maior marinero morto de Jerusalém a Padrón, foi assim com St.º Adrião e St.ª Natália nautas, e com tantos outros da hagiografia religiosa). Nisto entra sempre um casal de enamorados, um par hermético indicativo do Rebis alquímico – sinalético do Andrógino Primordial – por onde se vai mareando os elementos naturais através da chamada Via Húmida ou Navegante – Mista – da Alquimia. Isto nota-se com grande clareza no texto galante e barroco, estilo de que foi o expoente máximo peninsular, de Francisco Manuel de Melo (Lisboa, 1608 – Alcântara,1666) que deu forma poético-teatral, como fundo hermético de cujo conhecimento não era alheio, à lenda de Machim e Arfet na sua Epanáfora Amorosa (1654), tendo se baseado na relação do cavaleiro de Cristo, Francisco Alcoforado[20].
A divulgação dessa estória coincidiu com o período difícil da História de Portugal que foi o da restauração da independência de 1640, época em que de facto houve algumas concessões da Coroa portuguesa. Por ocasião do casamento da princesa Catarina de Bragança, filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, com Carlos II de Inglaterra, a rainha portuguesa fez dádiva de algumas possessões ultramarinas no contrato nupcial da sua filha de minoridade, para assegurar a aliança com a Inglaterra perante a ameaça da poderosa Espanha. Nesse contrato, aprovado pelo Conselho de Estado, cedia-se à Coroa britânica a cidade e fortaleza de Tânger e a Ilha de Bombaim na Índia Oriental, para que a sua armada protegesse as praças portuguesas em África e na Índia, contrato que foi assinado em 23 de Junho de 1661. Consta que D. Luísa de Gusmão teria acrescentado ao dote da princesa a doação da Ilha da Madeira, mas tal não aconteceu, e cremos que a cedências das praças ultramarinas seria apenas temporária, duraria só até ao final da guerra da restauração, mesmo que depois os ingleses ficassem aí, mas devolvendo os territórios ao legítimo donatário, a Coroa portuguesa. É impossível admitir que, em plena guerra de restauração e independência de Portugal, anacronicamente a rainha portuguesa andasse a oferecer a título definitivo territórios nacionais ao estrangeiro. As cláusulas do contrato, repito, não parecem ir nesse sentido: cedência comercial dos territórios, sim; cedência territorial definitiva, não. Em troca: a garantia de auxílio militar britânico ao seu aliado português, a qual nem sempre foi muito profícua nem pronta no atendimento (os “amigos de Peniche”…).
O mesmo aconteceu durante a guerra peninsular, quando as forças militares britânicas ocuparam o Arquipélago da Madeira, a primeira vez, chefiadas pelo coronel William Henry Clinton, de 23 de Julho de 1801 a 27 de Janeiro de 1802, sem ingerência directa na administração civil; a segunda vez, entre 1807 e 1814, tendo a 24 de Dezembro de 1807 o Estado-Maior do Tenente-Governador William Carr Beresford se instalado no Funchal, no Palácio de São Lourenço, então residência do Governador Pedro Fagundes Bacelar d´Antas e Menezes, onde, como em todas as fortalezas da ilha, foi hasteada a bandeira de Inglaterra e depois publicada uma proclamação onde a população era obrigada a reconhecer Jorge III do Reino Unido como o seu legítimo soberano. A situação manteve-se até à assinatura do Tratado de Restituição da Madeira (Londres, 16 de Março de 1808), arrancada a ferros pela diplomacia portuguesa, cuja cópia só chegou à Madeira em fins de Abril desse ano (vem daí a expressão popular “já chegámos à Madeira?”, isto é, já chegou o documento de restituição?). O arquipélago foi então devolvido à administração civil e Beresford seguiu para Lisboa, tendo uma guarnição britânica permanecido estacionada no arquipélago até Setembro de 1814.
É por essa época da ocupação britânica que a lenda de Robert Machim toma foros de verdade oficial, e quando os ingleses quiseram cartografar a Madeira e Porto Santo entregaram a tarefa ao português Paulo Dias de Almeida (c. 1778 – 1832), cartógrafo militar, a feitura da planta geral do arquipélago, que a executou com perfeição. Os ingleses não gostaram do trabalho mas reclamaram-no como da sua autoria, remetendo para as calendas do ostracismo o português – que andava de “candeias às avessas” com eles – e tudo que fosse obra portuguesa[21].
Obra portuguesa primaz nos fins da Idade Média e início da Renascença, importando o Maneirismo de que sairia o Barroco, é a cartografia. Para a Ilha da Madeira ela não assinala algum Machim no nome do município de Machico, mas indica um significativo lugar que é o mais rico em vegetação e água do Algarve (onde se situava a Escola de Sagres), cuja paisagem é comparável à do Machico. Com efeito, no Mapa de Portugal (Roma, 1561) do cartógrafo português Fernão Álvares Seco, na Madeira aparece o Machico grafado como Mochiques (Móchique), e no Mapa, do mesmo ano 1561, de Pedro Teixeira Albernaz, surge o nome Montachique, isto é, Monchique (do latim Mons Ficus, “Monte dos Figos” ou das Figueiras), topónimo que será o original estranho a qualquer Machim, tanto que o próprio cartógrafo italiano Benedetto Bardone, no seu Mapa (Veneza, 1528), já assinalava o lugar madeirense como Moncrico, que é o mesmo Monchique português[22] e que a voz popular encurtou em Machico, de quem Tristão Vaz Teixeira foi o primeiro capitão donatário em 1395.
Controvérsias à parte, é facto cabal que em 1418 o Infante D. Henrique, baseado nos antigos mapas dos dois séculos anteriores e na cartografia árabe onde apareciam as ilhas que reivindicaria para a Coroa Portuguesa, encomendou a empresa aos capitães de mar João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira de descobrirem terra firme a sudoeste, já do conhecimento dos portugueses. Assim fizeram, tendo chegado nesse ano à Ilha de Porto Santo, originalmente chamada Porto Seguro por lhes ser abrigo protector na aflição de terrível tempestade entretanto desabada no mar[23].
Com esse sucesso, o primeiro do Período das Descobertas, ainda na Gesta Henriquina, o Infante D. Henrique tratou logo de colonizar a ilha, “Ilha Dourada” que é a jóia mais antiga de Portugal. Ordenou a João Gonçalves Zarco e a Tristão Vaz Teixeira que voltassem a Porto Santo, dando-lhes por companheiro um outro criado da sua Casa, Bartolomeu Perestrelo. Foi nessa segunda viagem que descobriram ou demandaram a Ilha da Madeira, saindo Tristão Vaz e Gonçalves Zarco do Porto Santo, no dia 1 de Julho de 1419, indo aportar à Madeira na ponta a que chamaram de São Lourenço, nome do navio que os conduziu. Depois fizeram em torno da ilha uma viagem de circum-navegação, indo batizar os diferentes acidentes da costa. Nessa viagem, a sua principal baía recebeu o nome de Baía do Funchal (oscilando a origem do termo entre o “funcho” e a “fundeação” do navio português), e a uma grande lapa onde se abrigavam lobos marinhos, que os navegadores caçaram, deram o nome de Câmara de Lobos, tendo o próprio João Gonçalves Zarco e os seus descendentes tomado desse sítio o apelido de Câmara. Quanto a Bartolomeu Perestrelo, apesar de não ter participado da descoberta, veio a ser o primeiro capitão donatário da Ilha de Porto Santo, cuja filha Filipa Moniz viria a casar com Salvador Gonçalves Zarco, o famoso almirante português ao serviço dos reis católicos de Aragão e Castela, ou seja, Cristóvão Colombo. Demorando-se na ilha sob pretexto de fazer aguada e recolher mantimentos durante a empresa marítima que o levou a descobrir a América do Norte em 12 de Outubro de 1492, Cristóvão Colombo foi visita assídua na sede capitania da Ordem de Cristo no Funchal, motivo causador de estranheza[24]: um navegador pressuposto galego, castelhano ou genovês ao serviço de país rival andar de intimidades com os capitães de mar portugueses, e, como se não bastasse, casar com uma nobre portuguesa e estabelecer casa familiar na vizinha Ilha de Porto Santo[25]. Ou os oficiais portugueses da época andavam muito distraídos, fazendo pouco caso dos espiões estrangeiros, ou, o mais certo, a história colombina poderá estar toda ela mal contada[26].
Ainda sobre a estadia de Cristóvão Colombo na Ilha da Madeira[27], hóspede do capitão João Esmeraldo, é o seu filho Fernando Colombo (ob. cit.) a descrevê-la:
“Allí en la villa de Funchal le fué hecha mucha cortesía y grato acogimiento por el capitán de la isla, com el que se detuvo algunos días para proveerse de lo necessário, hasta el sábado después del mediodía, en que se dió a la vela.”
A Ordem Militar de Nosso-Senhor Jesus Cristo, em diminutivo Ordem de Cristo, era donatária exclusiva das ilhas do Oceano Atlântico onde se incluíam, obviamente, a Madeira e Porto Santo[28]. Nas Definições e Estatutos dos Cavaleiros e Freires da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, lê-se: “Pertencem à Mesa Mestral desta Ordem todas as ilhas do mar oceano, porque as rendas do espiritual elas estão unidas à Ordem, por Bulas Apostólicas, que dos Santos Padres impetrou o Infante D. Henrique, filho del Rei D. João o I, além dos direitos reais, que S. Majestade nas ditas ilhas tem, como Rei e Senhor”[29].
Se havia ligação temporal à Coroa com direito legal à dízima ou décima parte dos bens taxados pelas Comendas da Ordem proprietária da maioria dos terrenos do arquipélago madeirense, que aforava aos agricultores, assim como do pescado no mar da sua costa, já a ligação espiritual e a prestação de relatórios ao Eclesiástico e ao Papa, sobre o bom andamento das missões pastorais junto dos insulares, pouco mais seria que convencional, porque conforme o seu normativo o Mestrado da Ordem só respondia perante o seu Administrador Geral, como se lê na Tavoada e Reportório da Primeira Parte da Chancelaria da Ordem de Cristo[30]: “[…] porque o Infante D. Henrique defendeu aos cavaleiros da Ordem que não respondessem perante as justiças seculares que não entendessem neles por serem isentos de sua jurisdição” (fls. 17-17v)[31].
Isso possibilitou à Freiria de Cristo dar largas à sua teologia heterodoxa que já vinha da antecessora Ordem do Templo[32], motivo de se encontrarem nestas ilhas, em antigos imóveis da Ordem ou em espaços onde ela interveio, elementos decorativos de natureza esotérica inspirados nos compêndios herméticos medievais[33], muitos deles impossíveis de encontrar no continente. Na mesma senda, próxima da Milícia de Cristo, andou nestas ilhas a Ordem Franciscana da Província de Portugal[34], cujos espirituais da custódia deram largas à manifestação gnóstica do seu pensamento heterodoxo[35], informando o vigário geral do bispado do Funchal, fr. Nuno Cão, em 20 de Fevereiro de 1499, que “os franciscanos possuíam uma tradicional liberdade de movimento e uma grande independência de acção”[36], nisto se incluindo a manifestação do pensamento livre[37], como se apresenta na capela da Morgada na igreja de Nossa Senhora da Piedade (construída entre 1430 e 1446, apesar de pilhada quase por completo por corsários franceses nos fins do século XVI), em Porto Santo, nos seus motivos geometrizantes e até, no centro do camarim, na pintura do Noli me tangere (“Não me toques”), narrando o aparecimento de Cristo Ressuscitado a Maria Madalena. Já na Madeira, em Ponta Delgada, na igreja do Senhor Bom Jesus (possivelmente erigida em 1470) o seu aparato decorativo, sobretudo no altar-mor e na capela dos Reis Magos, remete para ideais herméticos a que acaso não terá sido estranho Manuel Afonso Sanha, fixado nesta freguesia e sepultado nesta igreja em 1507, servidor da Casa do Infante D. Henrique, governador da Ordem de Cristo e senhor no temporal destas ilhas[38]. A própria cruz processional na Matriz de Nossa Senhora da Assunção do Funchal (começada a erigir cerca de 1493), obra notável da ourivesaria portuguesa do século XVI atribuída ao mestre Gil Vicente, acaso poderá expressar algum simbolismo de carácter hermético inspirado no tema brandónico, sobretudo a meio dela onde o cinzel talhou o Templo ladeado pelos Profetas e cujo formato geral sugere uma ilha, quiçá a própria Madeira como insula sacra que, elevada ao alto na procissão, a todos aviva a memória do espaço sagrado onde vivem[39].
Quanto às dignidades da Ordem de Cristo, a primeira e principal, depois do mestre, era o prior-mor, com jurisdição no espiritual e no temporal, exercitando a autoridade espiritual junto dos clérigos e também ao pé dos cavaleiros. Ao prior-mor competia convocar por cartas o capítulo geral para nova eleição de mestre, a quem tomava o juramento de obediência à Ordem e após ao Papa, geral da religião professada. A segunda dignidade era a de comendador-mor, que presidia na ausência do priormor, e por falecimento do mestre, no ínterim da vacante, cabia-lhe governar a Ordem. Seguia-se o claveiro-mor, cujo ofício era ter as chaves de todas as comendas, competindo-lhe ainda a distribuição dos mantimentos e a anotação dos gastos que se faziam. Seguia-se o sacristão-mor, a quem pertencia em capítulo ter os selos da Ordem. A quinta e última dignidade era o alferes-mor, que levava a bandeira da Ordem nas procissões e em todos os actos de guerra em que ia o mestre[40].
Sob a aparência da ortodoxia da religião, conservadora da moral e da ordem estabelecidas, a heterodoxia das ideias avançava, alcançando o cume no século XVIII com os ideais iluministas, reformadores da sociedade pela razão esclarecida, soprando de França sobre Portugal e os territórios insulares, afectando-os decisivamente. Muitos religiosos católicos abraçaram o Iluminismo, imensos do grupo heterogéneo da fidalguia madeirense também. Reuniram-se em segredo, discutindo e decidindo da vida social e espiritual segundo as novas ideias. Em 24 de Junho de 1717 fundava-se em Londres a Maçonaria Especulativa, dava-se início ao Rito Escocês Antigo e Aceite. Em breve repassaria a Paris, França, e daí ao resto da Europa alcançando a Madeira e o Porto Santo. Ante a laicidade do novo culto humanista não confessional, a janela de oportunidades democráticas que a sua estrutura oferecia permitia aos afiliados participarem activamente isentos de autorização apostólica, pelo que nestas ilhas em breve trecho raros eram aqueles que não seriam maçons, dignidades eclesiásticas incluídas.
Em 1768 foi fundada no Funchal a primeira Loja Maçónica por “alguns dos principais desta Ilha”, segundo António Loja[41]. Dentre eles destacou-se Aires de Ornelas Frazão, que ocupou o cargo de Venerável, irmão de Agostinho de Ornelas e Vasconcelos, 10.º morgado do Caniço, que em 1767 desempenhava o cargo de escrivão da Mesa Grande da Alfândega do Funchal. Referidos em 1770 pelo então governador António de Sá Pereira, como “os espíritos inquietos, livres, soberbos e indomáveis da nobreza”, surgem os nomes Agostinho de Ornelas e Vasconcelos, do seu outro irmão, Francisco de Ornelas Frazão, de Nuno de Freitas da Silva e de António Correia Brandão Henriques, todos membros da elite municipal funchalense. São ainda mencionados como membros dessa Loja no Funchal, em 1770, Mendo de Brito de Oliveira e Pedro Júlio da Câmara Leme. De todos, só Aires de Ornelas Frazão foi preso e enviado para a metrópole. Segundo Oliveira Marques[42], Ornelas Frazão teria recebido a Luz da Ordem Maçónica entre 1768 e 1770, mas Octávio Pimenta Sousa contrapõe[43], e parece-me o mais certo, que em 1767 ele já seria Venerável, pelo que terá sido admitido na Maçonaria muito antes das datas indicadas pelo ilustre historiador. Depois da sua prisão em 1770, em 1773 conseguiu evadir-se do cárcere em Lisboa, homiziando-se em Espanha e depois na Inglaterra. Regressou à Madeira em 1779, e novamente foi perseguido e obrigado a fugir para os Estados Unidos da América em 1792, após denunciado ao Santo Ofício[44].
Enquanto durou o ministério do marquês de Pombal, a Maçonaria foi respeitada e acolhida. Mal o ministro do reino foi afastado, iniciou-se a perseguição aos maçons em 1790, mais feroz ainda que a de 1770, tendo a rainha D. Maria I assinado o Edital do Santo Ofício, de 10 de Abril de 1792, que legalizava a perseguição, prisão e tortura dos “mafarricos de avental”. Foi a época de clandestinidade e de maior resistência da Ordem na Madeira e Porto Santo, nunca tendo deixado de existir, aumentar em número de membros e chegar à actualidade. Em verbetes no seu Dicionário da Maçonaria Portuguesa, volumes I e II, Oliveira Marques assim descreve:
“FUNCHAL – A cidade do Funchal, na Ilha da Madeira, foi, porventura, a segunda localidade portuguesa onde houve Maçonaria. Sabese da existência de uma Loja, de 1768 a 1792, certamente fundada pelos ingleses residentes na Ilha da Madeira. Por volta de 1790 ter-seia instalado uma segunda Loja, activa até 1792 e, talvez em 1791, uma terceira, que igualmente parou a sua actividade em 1792 devido às perseguições. Despois desta fase, só nos começos da década de 184050 ou nos finais da anterior voltou a organizar-se a Maçonaria funchalense, com as Lojas Constância (II), n.º 3000, e Firmeza (II), criadas no seio do Grande Oriente Lusitano. Numa terceira fase e já no seio do Grande Oriente Lusitano Unido, fundaram-se: em 1871, a Loja Liberdade I, n.º 66, do REAA (Rito Escocês Antigo e Aceite), desaparecida em 1894 mas reconstituída pouco depois e activa até à clandestinidade; Trabalho, n.º 75, do REAA, activa de 1873 a 1883; União Liberal, n.º 111, do REAA, activa de 1877 a 1883; Cinco de Junho, n.º 118, do mesmo REAA, trabalhando de 1878 a 1883; uma nova Trabalho, n.º 219, sempre do REAA, com actividade de 1901 a 1923 e de 1930 a 1935; Evolução e Progresso, n.º 231 do RF (Rito Francês), em 1902, cujo quadro não chegou a ser aprovado; Britanic, n.º 282, do RY (Rito de York), com trabalhos de 1908 a 1913; Cinco de Outubro II, n.º 351, do REAA, de 1911 a 1916, de 1919 a 1929 e de 1929 à clandestinidade; Pátria Portuguesa, n.º 385, do REAA, instalada em 1916 e desaparecida só durante a clandestinidade; Agrippa, n.º 433, do REAA, organizada em 1928 mas que não chegou a funcionar; e Atlântida, n.º 469, instalada em 1933 e já desaparecida em 1937.
“PORTO SANTO – Na Ilha de Porto Santo (Madeira) fundou a Loja Liberdade I, n.º 66, do Funchal, o Triângulo n.º 33, do REAA. Durou de 1903 a 1908.”
As inquirições do Tribunal do Sacro Ofício em 1792, segundo João Pedro Ferro[45], apenas vieram confirmar o que todos suspeitavam: os poderes políticos e religiosos da Madeira encontravam-se representados na Maçonaria, incluindo o próprio governador, alguns dos principais magistrados, membros da primeira nobreza, grandes proprietários, importantes mercadores, deões e cónegos da Sé, curas de aldeia, juízes, advogados, médicos, funcionários públicos e até artífices e clientes. A Câmara Municipal era controlada pela Maçonaria, sempre em busca de um ideal humanitário para uma sociedade mais justa e perfeita. O Governo Central de Lisboa não teve outro remédio senão arquivar o processo, e ninguém foi preso[46]. Ainda assim, a perseguição resultou num clima de desconfiança e discriminações sociais e religiosas, inclusive levando ao exílio de alguns maçons, os mesmos portugueses que estariam presentes na fundação dos Estados Unidos da América do Norte e na implantação da Ordem Maçónica nesse país, sempre com a cobertura de dois Superiores Incógnitos escapados do Terror francês na Europa tendo se deslocado para o Norte-América nos fins do século XVIII, dizendo-se terem aportado na Madeira para se abastecerem de água e mantimentos: São Germano e Cagliostro, acompanhados de outros personagens insignes, diz a Tradição Iniciática, na rota certa de conquista espiritual e humana do Oeste, a caminho de Washington – Cimarron, no Novo México[47].
Particularmente activo na disseminação desse clima persecutório, esteve o bispo do Funchal, D. José da Costa Torres, que apavorado via-se cercado de maçons perigosos atentadores do conservadorismo da própria Igreja, como diz Fortunato Almeida[48]. Com efeito, descobriu-se que pertenciam à Maçonaria o governador do bispado, sete cónegos e beneficiados da Sé, dois vigários-gerais do bispado, o tesoureiro e o capelão do bispado, o visitador-geral, quase todos os curas das freguesias orientais da ilha (a parte mais povoada), o director do seminário e vários professores, o capelão da principal fortaleza militar da ilha e até o confessor do convento feminino do Funchal[49]. A maioria dos eclesiásticos que desempenhavam funções na Sé foi demitida ou suspensa, sendo muitos proibidos de pregar e confessar[50]. Imagine-se o impacto que este fenómeno teve junto da população que, ao dirigir-se ao confessionário, não sabia se se dirigia a um clérigo que pertencia à Ordem proscrita pela Igreja Católica[51]. Reacção que deixou vestígios nos meados do século XIX e abalou o seguinte, cimentado já o preconceito reacionário, ultramontano e bafiento que, na essência última, a espiritual ou iniciática, não tem sentido algum.
A Igreja e a Maçonaria têm a mesma fonte comum: a Tradição Iniciática das Idades. Aquela é dirigida aos simples como confessional. Esta é encaminhada aos eruditos como iniciática. Ambas como um só propósito salvífico e libertador, espiritualmente falando. Nisto, as bulas papais condenatórias da Ordem Maçónica, como essa carta encíclica Humanum Genus do Papa Leão XIII, de 20 de Abril de 1884, deixam de ter sentido, só restando a ignorância mãe de todas as superstições, a estreiteza mental matriz dos preconceitos[52]. Essa proximidade espiritual Igreja – Maçonaria ficaria registada aqui mesmo num imóvel religioso madeirense: a igreja de São Jorge, no concelho de Santana (Santa Ana, mãe da Virgem Maria, que aliás não figura nos evangelhos sinópticos mas exclusivamente nos apócrifos), ao norte da ilha.
A origem da igreja de São Jorge recua a 1475, quando foi fundada a primitiva ermida com esta invocação – talvez a pedido do Infante D. Henrique atendendo aos seus antecedentes britânicos da parte materna, sendo São Jorge o santo nacional da Inglaterra – no Sítio do Calhau, destruída por um grande incêndio em 1598. Em 19 de Julho de 1660, o morgado Francisco de Carvalhal e Vasconcelos fez doação do terreno do Sítio da Achada para a construção da nova igreja, mantendo-se a antiga invocação, e as obras foram iniciadas em 4 de Setembro desse ano. Elas demoraram, fizeram-se ampliações, melhoramentos, embelezamentos até que finalmente, em 17 de Setembro de 1761, o bispo do Funchal, D. Afonso da Costa Brandão, procedeu à bênção e sagração da nova igreja[53].
Mas a sua história replete-se de atribulações insólitas, como essa do incêndio de 1598 que o povo local de imediato atribuiu ao castigo divino por ter sido contrariada a ordem do rei D. Sebastião[54] – que em 12 de Março de 1574 dotara da tença anual de 5.000 réis a fábrica deste templo – em perpetuar secula seculorum a Colegiada de São Jorge[55], extinta em 18 de Março de 1578. Depois, satisfazendo o pedido do pároco António Fernando Barradas em 10 de Outubro de 1727, o bispo do Funchal nomeou provisoriamente o padre Sebastião Gonçalves para coadjutor do vigário, em 28 de Agosto de 1728. Segundo é dito, mais por via oral do que documental, esse padre andou de proximidades com os heréticos calvinistas e protestantes franceses e ingleses que habitavam a ilha, muitos deles com fama, e talvez proveito, de serem fina-flor maçonista. Dizem até que havia momentos em que só eles podiam estar fechados na igreja e mais ninguém, tocando-se um sino quando saíam. Verdade ou não, o facto é que o padre Barradas foi admoestado várias vezes pela diocese, até que em 3 de Outubro de 1731 recebeu a visitação da cónego doutor Bernardo Rodrigues Nogueira, comissário do Santo Ofício, que o admoestou severamente – sob pretexto do pouco asseio e abandono da igreja – e o afastou da paróquia. Em Setembro de 1732, iniciou funções como vice-vigário o padre Francisco Marques de Mendonça, mas passado algum tempo, em 3 de Julho de 1734, também ele foi examinado para vigário de São Jorge, sendo o padre Barradas afastado para a Calheta. Essas suspeições eclesiásticas de alguns dos seus partilharem do maçonismo, agravavam-se ainda mais por Aires Ornelas de Frazão ser dos principais beneficiários, senão o principal, da igreja de São Jorge, inclusive um seu familiar, o morgado Diogo de Ornelas de Frazão Figueirôa e sua mulher, D. Isabel Maria Brito, em 24 de Setembro de 1776 terem lavrado a escritura de doação do terreno anexo à igreja designado por Passal[56].
Edificada no estilo barroco chão, com porte grandioso, a igreja de São Jorge possui um belíssimo altar-mor em talha dourada, barroca e rococó, obra de 1751 do talhador Julião Francisco Ferreira e do dourador José António da Costa. Nele se evoca a Exaltação da Santa Cruz. As pinturas parietais, retratando a vida de São Jorge, por via das suas ilustrações muito hieráticas como não podiam deixar de ser num santo nascido da lenda sagrada[57], inclinam-se para leituras tanto teológicas como herméticas, segundo o entendimento de cada um.
Nisso tem-se o Anjo do Apocalipse – Mikael ou São Miguel, de que São Jorge é a teoplasmação terrena daquele celeste – sobre o púlpito, tocando a trombeta que anuncia o “Final dos Tempos” ou o término de um ciclo de evolução humana pelo dealbar de outro, quiçá, mais promissivo e próspero para o Mundo. Também é o caso do empíreo pintado no tecto do altar-mor, com os seus três céus – do tema cosmológico de Virgílio e de Dante, prosseguido por Camões em Os Lusíadas – povoados por 78 Anjos, número que, dentre outras interpretações, remete para os 78 Génios da Kaballah judaico-cristã plasmados no figurino dos 78 Arcanos do chamado Livro de Thot ou Tarot, termo oriundo do fenício-caldaico Astaroth ou Asta-Roth, o “Caminho Real da Iniciação”. Esta Iniciação é acessível só a alguns ou a todos? A todos, registo verificado na separação do Tarot em Arcanos Maiores (primeiras 22 lâminas) sinaléticos dos Mistérios Maiores, nisto ficando para a Ordem Maçónica, e em Arcanos Menores (restantes 56 lâminas) indicativos dos Mistérios Menores, nisto ficando para a Igreja Católica. Uns e outros são inseparáveis como integrantes de um mesmo conjunto, como inseparável deve ser o trono do altar, a arte sacerdotal da arte real, a autoridade espiritual do poder temporal, nisto os espíritos esclarecidos incompreendendo as vicissitudes ordinárias levantadas entre avental e batina. Se esta é confessional e salvífica, aquela é mistérica e libertadora. Ambas se completam nas suas funções próprias. E completam-se aqui sob o evoco do Rei do Mundo – Melkitsedek na Bíblia, Chakravarti nos Vedas, Rotan na Maçonaria – em que se reconhece a figura lendária do santo Jorge, George ou Gheoergon, o Obreiro Universal.
Se existe um mito autenticamente ancestral no santoral dos cristãos, um mito acumulador de chaves e significados procedentes do passado mais remoto do paganismo, seguramente é o que está reflectido em São Jorge, o santo cavaleiro andante que liberta donzelas, luta com dragões e propicia o esplendor das colheitas. Se existe um santo osmótico por definição, capaz de assimilar em sua personalidade a dezenas de outros santos, sem contar deuses proibidos e heróis simbólicos, esse ser é São Jorge[58].
São Jorge do Norte, da Terra de João Ninguém ou a Terra do Nunca, São Jorge da Capadócia ou da Arménia no Extremo Norte da Europa, o que remete para a ideia de um Extremo Norte do Mundo, sobretudo telúrico, assim localizando-o o Paraíso Terreal, a Agharta das tradições transhimalaias, e ele líder pacífico de hostes de anjos espatários como ideal de perfeição da Cavalaria, da Massenia como a do Santo Graal, assim mesmo corporificação de todas as virtudes sobre-humanas de que o cavaleiro devia estar armado e couraçado.
São Jorge vem de longe, tanto no nome como no mito, por regra nada menos que da Geórgia arménia cantada devotamente pelos mais excelsos poetas da latinidade. É o Homem da Geórgia, o Homem Primordial procedente de uma terra que era tão mítica em si mesma que mitificava quanto continha e a quanto se estendia. A lenda fez-se militar[59], porém, não pertence a legião nem corte alguma, antes parece ir por anexo para justificar uma armadura – couraça do espírito – e umas armas que haveriam de convertê-lo em paladino, não tanto da fé confessional mas sobretudo da mais pura tradição iniciática. E se algo faltava, a lenda martirial converteu os seus sagrados suplícios numa serena iniciação que se prolongou, como no âmbito dos Mistérios, durante sete anos, na presença de setenta reis, com provas vitoriosas onde os suplícios com rodas, lanças, fornos e pedras de moinho foram sucessivamente superados, antes de alcançar a gloriosa apoteose depois de três ressurreições.
Não será demais acrescentar que determinadas passagens das primeiras paixões relatam como Jorge, em meio dos terríveis suplícios, se declarou disposto a “sacrificar aos ídolos”, o que provocou que o Papa Gelásio I, no século V, as condenasse, proclamando-as escritas por hereges, e que o hagiógrafo Nicétas de Paphlogonie ou Nicétas David, no século X, confessasse havê-las lido “indignado”. Por desgraça, dessas primitivas paixões não ficaram mais que refundamentos expurgados muito posteriores nas obras de inspiração mais ou menos directa que escreveram, na Baixa Idade Média, recompiladores como Tiago de Voragine[60], no século XIII.
Porém, o santo georgiano esconde outra faceta simbólica da sua personalidade: a de uma perdida divindade fecunda, com evidentes conotações agrárias e florestais[61]. James Frazer aponta as festividades centro-europeias que se faziam em honra de São Jorge[62], as de Jorge o Verde, nas quais um camponês revestia-se com ramos e folhas de bétula e a imagem do santo era conduzida processionalmente até um rio, onde a sua efígie era atirada nas águas. Também descreve ritos amorosos sobre os sulcos onde haviam crescido as primeiras espigas de trigo. Por seu lado, Joan Amades dá notícia de toda uma série de cerimónias agrárias sob o invoco deste santo que têm ou tiveram lugar em terras catalãs[63], as quais vêm confirmar o carácter de São Jorge como herdeiro de um deus perdido da fecundidade, o que condiz com a sua data litúrgica, 23 de Abril, em plena Primavera.
É, pois, a fecundidade, o progresso assegurado por um santo guerreiro e agrário que, para terminar, evoco para o Arquipélago da Madeira e Porto Santo, desejando a todos e todas as maiores venturas e realizações espirituais e humanas, como ontem hoje e sempre.
NOTAS
[1] Comunicação do autor realizada no Grémio Literário da Madeira. Funchal, 4.11.2017.
[2] La Consolación de la Filosofia. Introdução, tradução e notas de P. Rodríguez Santridrián. Biblioteca temática – Clássicos da Grécia e Roma. Alianza Editorial, Madrid, 1999.
[3] Vitor Manuel Adrião, História Secreta do Brasil (Flos Sanctorum Brasiliae). Madras Editora Ltda, São Paulo, 2004. Nova edição revista e ampliada, com o mesmo título, em Lisboa pela Euedito em 2017.
[4] Gaius Plinius Secundus, Historiae naturalis. Impresso em Venesia, Bartolomeo Zani, 1489.
[5] Eva Heller, Psychologie de la couleur: effets et symboliques. Pyramyd Éditions, Paris, 2009.
[6] Whitney William Dwi, Century Dictionary & Cyclopedia. Hardcover, 1899.
[7] Isabel Cooper-Oakley, The Comte de St. Germain – The Secret of Kings. London, 1911.
[8] Geraldo Cantarino, Uma ilha chamada Brasil: o paraíso irlandês no passado brasileiro. Mauad Editora Ltda, Rio de Janeiro, 2004.
[9] Doutor Gaspar Fructuoso, As Saudades da Terra – Historia das Ilhas do Porto-Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens. Manuscripto do seculo XVI annotado por Alvaro Rodrigues de Azevedo. Typ. Funchalense, Funchal, 1873.
[10] Rosemarie Erika Horch, Quais as fontes para os Mapas da Novae Insulae de Sebastian Münster? Revista da Universidade de Coimbra, Separata, vol. XXXIV, 1988.
[11] Jean Chevalier e Alain Gherbrant, Dicionário de Símbolos. José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1990. Adalberto Alves, As Sandálias do Mestre – O Islão Iniciático na Formação de Portugal. Ésquilo Edições e Multimédia, Lda, Lisboa, Outubro 2009.
[12] Lusitanus (pseudónimo de Abel de Sousa Vasconcelos, 1865-1937), Sinais dos Tempos (Fim das Nações – Império Universal – Triunfo da Cruz – Fim do Mundo). Imprensa Lucas & C.ª, Lisboa, 1924.
[13] René Guénon, Le Roi du Monde. Éditions Gallimard, Paris, 1958.
[14] Motivo por que o Infante D. Henrique utiliza a expressão de “novamente achei” na Carta de doação à Ordem de Cristo do espiritual e temporal das ilhas e dos lugares de além-mar, datada de Tomar, 18 e 19 de Setembro de 1460 (A.N.T.T., Ordem de Cristo, n.º 235, 3.ª pt., fls. 10-12), em seguimento da Carta do Infante D. Henrique que estabelece as missas a rezar por sua alma na Madeira e Porto Santo, datada de Tomar, 18 de Setembro de 1460 (A.N.T.T., Ordem de Cristo, n.º 235, 3.ª pt., fls. 7-8).
[15] Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias. Tradução Mary de Camargo Neves Lafer. Editora Iluminuras, São Paulo, 1989.
[16] Pouco importa que a Escola Náutica do Infante Henrique de Sagres estivesse sedeada na baía de Lagos e que o nome sagrense surja graças à concessão de 1443 do regente D. Pedro a esse seu irmão que lhe pediu essa região para fundar uma vila (Raposeira). Se a Escola Náutica de Sagres veio a ser coberta de halo de mito e mistério, deve-se aos escritos apologéticos de João de Barros (1496-1570), justamente apodado o “Grande” ou o “Tito Lívio Português”, desenvolvidos pelo cronista inglês Samuel Purchas (1575-1626) em 1625. Um facto é certo: o Infante D. Henrique reuniu na sua Escola ou Academia – não se deverá ignorar a sua faceta de universitário e reformador da Universidade portuguesa – sábios, capitães e gentes de mar de diversas nacionalidades, que ficaram ao abrigo do espiritual e temporal da Ordem Militar de Nosso-Senhor Jesus Cristo, em troca exigindo-lhes os compromissos de silêncio e segredo, indispensáveis para que Portugal viesse a ser o exclusivo empório marítimo dos séculos XV-XVI, facto que atraiu invejas e cobiças de outros países que não se coíbiram em inventar estorietas onde reclamavam para si, através de acontecimentos fantasiados, a primazia das descobertas marítimas que, acusavam, afinal os portugueses só haviam secundado. Nisto, também a Madeira e o Porto Santo não escaparam aos reclamos tresandando a política corsa por via do invento de personagens e nomes fictícios destinados a semear a confusão a favor da instalação de interesses político-económicos, financeiros e militares estrangeiros.
[17] Peter Russel, Henrique o Navegador. Livros Horizonte, Lisboa, 2004.
[18] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Madras Editora Ltda, São Paulo, 2011.
[19] Armando Cortesão, A História do Descobrimento das Ilhas da Madeira. Junta de Investigações do Ultramar, Coimbra, 1973.
[20] D. Francisco Manuel de Melo, Descobrimento da Ilha da Madeira, Ano 1420, Epanáfora Amorosa. Livraria-Editora Ler, Limitada, Lisboa, 1975.
[21] Rui Carita, Arquitectura Militar na Madeira dos Séculos XVI a XIX. Catálogo da Exposição das Comemorações Nacionais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Funchal, Zona Militar da Madeira, 1981. Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira: O Período das Guerras Napoleónicas. Funchal, 1999.
[22] Maria Fernanda Alegria, O Povoamento a Sul do Tejo nos séculos XVI e XVII. Análise comparativa entre dois Mapas e outras Fontes históricas. Revista da Faculdade de Letras – Geografia, I Série, Vol. I, pp. 179-206, Porto, 1986.
[23] Elucidário Madeirense, obra de cunho enciclopédico cuja primeira edição no Funchal, em 1921, constou de dois volumes coordenados pelo padre Fernando Augusto da Silva (1863-1949). Atribuir-se ao Porto Santo qualquer outra origem toponímica, como a da pressuposta descoberta de um navio do período cartágo-fenício, que nunca alguém viu e tampouco documentou, é absolutamente avulsa, mesmo com a forte possibilidade de navios dessa civilização terem cursado estes mares na mais alta Antiguidade.
[24] António Ferreira de Serpa, Salvador Gonsalves Zarco (Cristóbal Colon). Lisboa, 1930.
[25] Fernando Colón, Vida del Almirante Don Cristóbal Colon. Versão castelhana da Historia del Almirante, México, 1947.
[26] Mascarenhas Barreto, O Português Cristóvão Colombo (Agente secreto do rei Dom João II). Edições Referendo, Lisboa, 1988.
[27] Visconde do Porto da Cruz, A Estada de Cristovam Colombo na Madeira. Funchal, 1936.
[28] Damião Peres, História dos Descobrimentos Portugueses. Porto, 1943.
[29] Fr. Damião das Neves, Compêndio da Regra e Definições dos Cavaleiros da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, com alguns breves pontifícios e privilégios reais, etc. Lisboa, 1607.
[30] ANTT, Ordem de Cristo, códice 234, 1.ª e 2.ª partes e códice 235, 3.ª e 4.ª partes.
[31] Cf. Isabel L. Morgado de Sousa e Silva, A Ordem de Cristo (1417-1521). Fundação Eng.º António de Almeida, Porto, 2002.
[32] Aleixo Tavano e José Augusto da Silva, Notícia histórica das ordens militares e civis portuguesas, etc. Lisboa, 1881.
[33] W. Eamon, Science and the Secrets of Nature: Books of Secrets in Medieval and Early Modern Culture. Princeton University Press, New Jersey, 1996.
[34] Fernando Augusto da Silva, Subsídios para a História da Diocese do Funchal. Funchal, 1946.
[35] Os chamados “discursos secretos” estavam em junção com os “livros de segredo”, tendo como matrizes os tratados de Hermética, cuja influência abrangeu desde as artes e ofícios até obras filosóficas e religiosas, discurso inclusive aplicado em círculos restritos de Ordens aparentemente de rígida ortodoxia confessional. Vários acontecimentos censórios, condenatórios e persecutórios registados na História Eclesiástica ante e durante a alta Idade Média haviam concorrido para esse ambiente de segredo e secreto em núcleos selectos no seio da própria Igreja. Por exemplos, os seguintes: no ano 380 inicia-se a perseguição aos gnósticos; Prisciliano é condenado à morte no ano 385; no ano 405 os Livros Sibilinos são queimados; no ano 451 o Concílio de Calcedónia proíbe as sociedades secretas; no ano 495 é emitido o decreto de pseudo-Gelásio I, Cânone dos Livros Santos, proibindo os livros apócrifos; no ano 553 é condenada a doutrina da pré-existência ou metempsicose, por outra, o conceito universal da reencarnação. Contudo, só no ano 1054 a Igreja Católica formalizou-se tal como hoje se vê, mantendo a mesma postura fechada a quaisquer ideias alheias à teologia oficial, o que valeu ao abade Joaquim de Flora, por exemplo, em 1215 ser anatemizado no Concílio de Latrão IV, só se levantando o anátema cerca de 1335, com ele já morto (1202).
[36] ANTT, CSF, avulsos, mç 11, doc. 1.
[37] Ana Cristina Machado Trindade, Plantar Nova Christandade: um desígnio jacobeu para a Diocese do Funchal. Frei Manuel Coutinho, 1725-1741. Funchal, 2012.
[38] Fernando Augusto da Silva, Elucidário Madeirense, 2.ª edição. Funchal, 1940.
[39] Gaspar Fructuoso, Saudades da Terra: Ilhas de Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens, obra anotada por Álvaro Rodrigues de Azevedo. Typographia Funchalense, Funchal, 1873. Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira, A Sé do Funchal. Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1963.
[40] Aleixo Tavano e José Augusto da Silva, Notícia histórica das ordens militares e civis portuguesas, etc. Lisboa, 1881. J. Vieira da Silva Guimarães, A Ordem de Cristo. Lisboa, 1901.
[41] António Loja, A Luta do Poder contra a Maçonaria. Quatro perseguições no século XVIII. Imprensa Nacional, Lisboa, 1986.
[42] A. H. de Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa – I. Editorial Delta, Lisboa, 1986.
[43] Octávio Pimenta Sousa, A Maçonaria na Madeira. Alocução do autor editada em 3 de Dezembro de 2014.
[44] ANTT, Doc. Nº 17304, texto em três folhas da denúncia feita por Anastácio Neri da Silva ao cónego João Venâncio de Vasconcelos, comissário do Santo Ofício no Funchal, em 5 de Maio de 1792. Esse personagem fora introduzido no convívio da fina-flor da Maçonaria funchalense com o objectivo de denunciar a “Sociedade dos Pedreiros Livres” na ilha, pôr a descoberto as suas figuras principais, com destaque para “Diogo de Ornelas Frazão Figueiroa, morador na Calçada do Convento de Santa Clara”, no Funchal, juntamente com António José de Ornelas, Francisco António de Souza, Luís Vicente de Carvalhal, etc.
[45] João Pedro Ferro, O Clero Português na Maçonaria (1790-1820). Boletim da RT LT Fénix, N.º 493, n.º 1, Julho de 1993.
[46] Miguel António Dias (Cavaleiro R+C da Maçonaria Eclética ou Rito Lusitano, idealizado desde 1834), Bibliotheca Maçonnica, ou Instrucção Completa do Franc-Maçon, seis tomos. Casa de J. P. Aillaud, Paris, 1840-1842. Miguel António Dias, Annaes e Codigo dos Pedreiros Livres em Portugal. Lisboa, 1853. Reedição Sol Invictus, Ericeira, Novembro 1990. Manuel Borges Grainha, História da Franco-Maçonaria em Portugal (1733-1912), Lisboa, 1912. Reedição Colecção Janus, Editorial Vega, Lisboa, 1976.
[47] Henrique José de Souza, Livro Síntese (da Missão dos Sete Raios de Luz). Edição privada, Rio de Janeiro, 1935.
[48] Fortunato Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. III. Livraria Civilização Editora, Porto, 1970.
[49] Rui Carita, História da Madeira, vol. V. Secretaria Regional de Educação, Funchal, 1999.
[50] João Pedro Ferro, José Anastácio da Cunha, i. e., João Pedro Ferro – Em torno da Maçonaria. Lisboa, 1995.
[51] Ana Madalena Trigo Sousa, O Exercício do Poder Municipal na Madeira e Porto Santo na Época Pombalina e Pós-Pombalina. Centro de Estudos de História do Atlântico, Funchal, 2004.
[52] Rev. Gerald C. Treacy, S. J., Humanum Genus, Encyclical Letter of His Holiness – Pope Leo XIII on Freemasonry. Tan Books & Publishers, Charlotte, North Carolina, United States, 1992.
[53] Padre Silvério Aníbal de Matos, São Jorge e suas Ermidas. Edição da Câmara Municipal de Santana, 2000.
[54] Em comunicação feita à Associação dos Arqueólogos Portugueses em 1924, Alfredo António de Castro Teles de Meneses de Vasconcelos de Bettencout de Freitas Branco, visconde do Porto da Cruz (Funchal, 1.1.1890 – 28.2.1962), descreve a lenda sebástica insular corrente para os lados do Faial, concelho do Machico, na Madeira: quando o Sol se põe aparece no horizonte uma ilha envolta em brumas, onde D. Sebastião, o “Rei Desejado”, dorme, desde a fatídica batalha de Alcácer-Quibir, um “sono de encantamento”. Refere que “a credulidade popular é tão sincera e espontânea que todos os anos, na noite de S. João, quando o povo desce do arraial, vai ao mar ver a sua sombra, ou ouvir os clamares distantes da cidade encantada. Perdidos entre o marulhar das ondas, é vulgar soarem as trovas regionais invocando o rei D. Sebastião e pedindo-lhe que deixe o seu encantamento de Arguim para vir à terra que lhe serviu de berço e para o povo que tanto o amou”. Narra ainda a outra lenda da espada de D. Sebastião, tendo como cenário a paisagem ao fundo do Porto da Cruz: “Olhando dos lados do Faial, a Penha de Águia apresenta uma encosta acessível, muito verde e fértil, mas sobre o Porto da Cruz ela é árida, a prumo, rasgando-se em grandes cavernas onde nunca entrou um ente humano e que, ao romper do dia ou ao anoitecer, lembram os grandes olhos negros e sombrios dos monstros das lendas que detiveram durante tanto tempo a audácia dos navegadores e a expansão da Europa. Sobre o mar, onde a rocha corta verticalmente, numa só linha, como se engenhos de homens assim a talhassem, destaca-se uma elevação, que serviu de motivo à fantasia popular para criar a lenda de que a espada de el-rei D. Sebastião ali está enterrada… E o bom povo lastima-se de não poder subir ao cabeço mágico e, tomando pelos copos a espada encantada, arrancá-la da rocha e trazer com o Rei Desejado o bem e engrandecimento desta pátria”.
[55] Visconde do Porto da Cruz, Lendas do Arquipélago da Madeira. Funchal, 1954.
[56] Rui Carita, Ficha de Monumento. Pt, 2003.
[57] Galeno Amorim, São Jorge o o Dragão. Editora Callis, São Paulo, 2008.
[58] Juan G. Atienza, Santoral Diabólico. Ediciones Martínez Roca, Barcelona, 1988.
[59] Jerónimo Gasques, São Jorge, o santo guerreiro. Editora Paulus, São Paulo, 2016.
[60] Jacopo de Varazze, Aecebispo de Génova, Legenda áurea: vidas de santos. Companhia das Letras, São Paulo, 2003.
[61] Maria Goretti Ribeiro, Imaginário da Serpente de A a Z. Editora da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande – PB, 2017.
[62] James George Frazer, La rama dorada: magia y religión. Fondo de Cultura Económica, México, 2011.
[63] Joan Amades, Costumari Català, cinco volumes. Editorial Salvat, Barcelona, 1952.
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